sábado, 5 de janeiro de 2013

Viajar

Rodoviária de São Paulo. Enquanto espero o horário da minha partida, acho um lugar entre as cadeiras apinhadas do final de ano e, em meio ao burburinho geral, tento me concentrar na leitura da vez: Sob o sol da Toscana, de Frances Mayes. Do filme que inspirou, a obra tem muito pouco - eu arriscaria dizer que somente o local onde é ambientada. Mais do que um romance ensolarado, é uma história sobre os desafios práticos de reerguer uma casa e, principalmente, sobre os devaneios de uma escritora que se dispõe a, a partir dessa casa, mergulhar para fora e para dentro em novos mundos. Leio:

A maioria das viagens tem um aspecto subjacente de busca. Estamos à procura de alguma coisa. Do quê? Diversão, fuga, aventura, mas e depois? "Essa viagem é uma mudança de vida", disse meu sobrinho. Será que ele sabia disso desde a partida? Que vinha à Itália à procura da confirmação de uma mudança que ele sentia crescer no seu íntimo? Suponho que não; ele fez a descoberta enquanto viajava.

Interrompo para refletir sobre as palavras que acabei de ler. Bem ao meu lado, reparo numa família um tanto agitada - dois rapazes, uma moça com um bebê de colo, outra moça, várias crianças. A moça sem o bebê está com lágrimas nos olhos. Eles se abraçam e se organizam para tirar uma foto.
Continuo:

Existe por trás dessas viagens um forte ímpeto no sentido do "me tirem daqui". (...) Não se trata do destino; trata-se da capacidade de estar com o pé na estrada, seguir por trilhas felizes, lá longe onde ninguém sabe, ninguém compreende, nem se importa em saber de todas as coisas enlouquecedoras que andam pesando nos seus ombros. (...) As pessoas viajam por tantas razões quantas têm para não viajar. "Estou tão feliz por ter ido a Londres", disse-me uma colega de faculdade. "Agora, nunca mais preciso voltar lá".

É uma perspectiva inusitada. A viagem não só como lazer ou fuga, mas como uma missão que se 'tica' no plano de aspirações cumpridas. Faz sentido, também. Ao meu lado, a foto já foi tirada. As crianças e adultos se abraçam ainda. Aproveitam o gesto ainda tão próximo, tão possível antes que venham os quilômetros, os dias, o tempo. No rosto das mulheres, uma calma resignada, de quem não pode escapar do momento. A moça das lágrimas sorri para a outra e faz um carinho no bebê adormecido.

Uma vez que se esteja 'em um' lugar, aquela viagem ao interior profundo da psique começa ou não. Algo deve tornar seu esse lugar, aquele 'algo' inefável que nenhum livro consegue captar. Pode ser algo muito simples, como a luz que vi no rosto de três mulheres andando de braços dados quando o sol do final da tarde caía inclinado na Rugapiana. Aquela 'luz' parecia brilhar como uma bênção sobre todos. Eu também queria banhar minha pele num sol daqueles.

Agora todos se despedem e metade do grupo se afasta. Um dos rapazes que fica recomenda: quanto chegarem, liguem. As crianças ainda olham para trás, curiosas, antes de desaparecerem na escada rolante. Logo, todos se levantam e não há mais abraços ou foto. Novas malas chegam, trazidas pelos ocupantes das cadeiras onde estavam as moças e o bebê.

Olhando para o relógio que pende do teto, eu também me levanto e vou embora, pensando em todas as coisas, pequenas e arrebatadoras, que já me fizeram sentir em casa. Acho que cada pessoa, mais cedo ou mais tarde, encontra o seu 'algo' pelo qual moveria montanhas, dentro e fora da alma. Ou vários, com sorte.

(05.01.2009)