sexta-feira, 18 de maio de 2007

À moda antiga

Ele chega. O cavalo branco abre caminho na estrada coberta de neve.
O vento bate nas janelas da casa dela. As cortinas balançam, sinalizando sua vinda. Ela escova os longos cabelos e prepara o vestido cor-de-vinho, de veludo. Sai do quarto e começa a descer as escadarias.

Num salto ágil, ele desce do cavalo. Segura com decisão o pegador de ferro da porta. Bate com o duro metal na madeira. Pergunta por ela. O vento continua a soprar.
Ela aparece. Ele pega nas mãos dela com o toque suave de suas luvas brancas e aveludadas, e a conduz. Num olhar apaixonado, ela pergunta:

- Amor, você separou troco para o flanelinha?
- Sim, querida. Carregou a bateria do celular?
- Eu joguei aquela droga fora – diz ela, piscando os olhos. – Dizem que dá câncer.
- É – diz ele, pensando melhor - E um primo meu disse que deixa meio broxa também.
- Não importa – ela diz. – Vamos, estamos atrasados. Não vamos achar vaga.

Cena seguinte. Os dois estão na torre do castelo, olhando o céu estrelado. Uma brisa fina balança os cabelos dela.

Uma rosa providencial se materializa nos dedos dele. Ele oferece a flor a ela. Aproxima o rosto de seus ouvidos e, secretamente, diz:

- Mas a gente não estava saindo a cavalo?
- Estava, mas isso é uma história romântica. Temos que fazer cenas românticas.
- Ah, tá.

Eles trocam sorrisos na noite clara e azul. No ar, acordes de Moonlight Serenade. Os cabelos semi-longos dele ao vento, enquanto ele a chama para dançar. Ela corre ao centro da cena com seu vestido esvoaçante.

- Mas o vestido não é de veludo? (ele sussura).
- É, mas tem um ventilador ali atrás, fazendo tudo voar – ela responde, subindo a voz de repente. – Oh, querido, beije-me!
- Sempre, meu amor!

Claquete. Palmas.

Oscar de melhor filme.
Mesmo que o limite do cartão tenha acabado.
E que o Romeu em questão seja meio durango.
E nem sei se Moonlight Serenade é a melhor música pra essa cena.

Mas filme bom é aquele que não anda em zigue-zagues, nos fazendo perder horas tentando entender os hieróglifos do sentimento alheio.
Filme bom pode ser simples como um chopps e dois pastel.
Aquele em que qualquer lugar pode ter som de violinos.

Será que a gente ainda será
A velha estória de amor que sempre acaba bem
meu bem
Meio demodée para hoje em dia
Antigamente, tudo era bem mais chique

Porque a gente nem sabe por quê
Mas acontece que eu nasci pra ser só de você
É claro que a sorte também tem que ajudar
Ultimamente, um romance dura pouco

Cola, seu rosto no meu rosto
Enrola, seu corpo no meu corpo
Agora, está na hora de dançar...

(Rita Lee)

(18.05.2007)

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Conclusão dispersa

Viajando, existem dois tipos de lugares que você pode visitar:
Os que te fazem sentir feliz. Você olha o horizonte, respira fundo e enche a alma de leveza e alegria. Dimensão paralela que recarrega seu espírito. Você sai de lá revigorada, achando que o paraíso existe, refúgio terrestre.
E existem aqueles que você, ao visitar, sente como inusitada vibração. Sua alma se inquieta, remexida. Você olha em volta e procura o que te toca assim tão forte e sutil. Não é alegria ou euforia.
É encontro. Esses lugares não te fazem sentir nem melhor ou pior. Você simplesmente se sente em paz, na felicidade de quem chega em casa.
Assustador, mas de beleza sem par.

(09.05.2007)

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Bom pra hoje

Chocolate.
Chocolate quente.
Café.
Café com leite.
Pão quentinho.
Blusa de lã.
Abraço encolhido.
Bota.
Guarda-chuva.
Janela fechada.
Sopa quente.
Televisão.
Pipoca.
Cobertor.
Cobertor de orelha.
Dormir.
Chocolate quente.
Chocolate.

(09.05.2007)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Senhora


Boca da noite. As luzes da Avenida Paulista à toda. Só não ganham dos carros apressados que tomam a rua de assalto ao menor sinal luminoso. Olho em volta a claridade dos faróis, das lâmpadas. Poderia ser qualquer hora do dia, ali. Meio-dia, duas da tarde, nove da manhã. O movimento seria igual, a cara apressada das pessoas, tudo igual. A não ser por um detalhe: enquanto ando, noto uma silhueta escandalosa no céu, por entre os prédios. Continuo, passo após passo, e ela vai se descortinando. Mais cem metros, e está solta na escuridão, entre um edifício e outro. Com um baita quintal, já se diria no interior. Lua com quintal é sinal de chuva no dia seguinte. Por um minuto, sou transportada para um momento particular, ancestral, de quando só havia ela, espreitando no vazio da noite. Ela continua ali, criando seu cenário, participando e dizendo a todos que é mais forte do que as luzes da cidade. Com seu quintal, providencia lugar próprio. É só olhar e perceber.

A Lua Azul (sabem o que é a Lua Azul?) ;) será só no mês que vem. Mesmo assim, coloco aqui uma homenagem à senhora que me olhou de seu sítio esta noite, enorme e bela. Porque as coisas sempre podem ser maiores e mais elevadas do que pensamos. Boa surpresa em meio a meus pensamentos tão fim-de-(quarta)feira.

A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.

(Fernando Pessoa)


(02.05.2007)