Eu tive um avô que me ensinou a falar "Guten Morgen" e "Guten Nacht". E tias que me acostumaram a gostar de "rosine" antes mesmo que eu soubesse que, na verdade, estava comendo uvas-passas. Minha mãe me dizia que era perigoso ir na "vöeschtele" sozinha, para evitar que eu entrasse no barracão onde meu avô trabalhava com madeira e causasse um acidente irreparável. E minha avó insistia que boas meninas falam "Danke schön" quando recebem um presente ou alguém lhes faz uma gentileza. E eu aprendi a falar tudo direitinho e repeti aquilo durante toda a minha infância, embora até hoje não saiba como se escrevem direito muitas das palavras que acabei de colocar aqui.
Eu aprendi que, no Natal, a gente deve botar um pinheirinho dentro de casa e pode decorá-lo com velas, mas elas são perigosas porque pegam fogo no resto, ou com bolachas, mas elas também são perigosas porque transformam as crianças em pequenos ladrões de enfeites de Natal antes da hora. Então, a gente decorava a árvore com as modernas luzinhas e bolas de plástico mesmo, embora o pinheirinho ainda fosse de verdade, e pinicasse se a gente sentasse muito perto dele. Ainda assim, como todo cuidado, colocávamos um presépio de papelão e os presentes ali embaixo, e continuávamos cantando as mesmas músicas na noite da ceia, e comendo dias antes as mesmas bolachas coloridas - dessa vez, roubadas de dentro do armário da cozinha, não mais da árvore.
Aprendi também que dá pra colorir ovos de galinha enrolando-os em cascas de cebola e em folhas de plantas, e deixando-os ferver por alguns minutos. No final, eles estarão cozidos e impressos com os desenhos das folhas, prontos para serem servidos na manhã de Páscoa. Antes dos chocolates, é claro, que nunca dispensamos - e que "conquistávamos" depois de procurar o esconderijo abastecido de ovos pelo "coelho" durante a noite anterior, no quintal.
Aprendi a entrar num galinheiro e descobrir quais galinhas tinham posto ovos, juntá-los numa cesta e levá-los pra dentro de casa - tudo isso sem sair do colo da minha tia. Aprendi a identificar o perfume de cheiro-verde na horta da minha avó, que ela protegia colocando no meio dos canteiros um pedaço de pau com um pano, à guiza de espantalho - enquanto eu ficava preocupada com a falta de criatividade daquele boneco, que desse jeito não ia espantar era nada.
Aprendi a trancar o portão da frente da casa, pra não entrar ninguém estranho, e a olhar dos dois lados pra atravessar aquela rua tão movimentada, guardando na lembrança uma remota imagem de quando ali em frente só havia árvores. Aprendi também a reconhecer o "bem-te-vi" que cantava de manhã, e que continuava ali com ou sem floresta fronteiriça - ou o barulho dos grilos que acompanhavam o final da tarde, num aviso meio agourento, colocando medo na gente de sair para o quintal escuro. Aprendi a montar cavalinho em pastor alemão e a me locomover de bicicleta sem derrapar no chão de terra.
Nada como ter alguém que nos ensine o que é essencial - aquilo que precisaremos usar todos os dias para viver uma boa vida.
(15.08.2008)
terça-feira, 15 de julho de 2008
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Portão de escola
Sabe aquelas crianças que, no primeiro dia de aula (ou no segundo, no quinto, no décimo...), se agarram chorando ao pescoço da mãe e não soltam de jeito nenhum, como se fossem ser abandonadas pra sempre? Não adianta explicar pra ela que é só por algumas horas, e que nesse meio tempo ela vai "fazer coisas muito legais, desenhar com a tia, brincar com os amiguinhos". Não adianta tentar persuadir, prometer coisas, dizer que "a mamãe já volta". Não adianta dizer que você está logo ali e que no final do dia voltará para encontrá-la. A urgência (ou medo) dela é maior do que isso, do que qualquer parquinho, brinquedo ou lápis de cor.
Depois de inúmeros shows, a criança, já "mocinha" (tipo uns dois anos depois), começa a achar os pequenos "bobos" por não conseguirem ficar sozinhos na escola. A sensação vai aumentando até chegar àquele espaço de tempo que vivemos entre o ser filha e o ser mãe - geralmente entre os 20 e os 30 anos - quando a gente olha de soslaio para aquelas duplas adulto/criança na porta da escola e, num silêncio um tanto enfadado, pensa com nossos botões: "ai, que paciência".
Mas o troco vem rápido para esse pensamentos pouco budistas. Tem dias em que a gente, sem chegar à iluminação materna, volta aos dias de infante que pedia colo. Acorda com vontade de ter febre, só pra matar aula e poder ficar na cama, com alguém trazendo chazinho pra gente tomar. Não quer ficar na escola sozinha, olhando em volta e esperando a palavra que não vem. Mesmo que saiba que no final do dia alguém vai vir te buscar. O "antes da hora" que a gente inventou, e que não acontece, vai virando uma coisa meio pesada, doída no peito. E a gente vira menina que viu o pai indo viajar, e passa as horas num silêncio sentido, sem pensar nem no brinquedo que ele prometeu trazer. No fundo, queria mesmo é ganhar, bem agora, um abraço. E alguém que, com um carinho, viesse nos pegar no colo e nos levar pra casa.
(09.07.2008)
Depois de inúmeros shows, a criança, já "mocinha" (tipo uns dois anos depois), começa a achar os pequenos "bobos" por não conseguirem ficar sozinhos na escola. A sensação vai aumentando até chegar àquele espaço de tempo que vivemos entre o ser filha e o ser mãe - geralmente entre os 20 e os 30 anos - quando a gente olha de soslaio para aquelas duplas adulto/criança na porta da escola e, num silêncio um tanto enfadado, pensa com nossos botões: "ai, que paciência".
Mas o troco vem rápido para esse pensamentos pouco budistas. Tem dias em que a gente, sem chegar à iluminação materna, volta aos dias de infante que pedia colo. Acorda com vontade de ter febre, só pra matar aula e poder ficar na cama, com alguém trazendo chazinho pra gente tomar. Não quer ficar na escola sozinha, olhando em volta e esperando a palavra que não vem. Mesmo que saiba que no final do dia alguém vai vir te buscar. O "antes da hora" que a gente inventou, e que não acontece, vai virando uma coisa meio pesada, doída no peito. E a gente vira menina que viu o pai indo viajar, e passa as horas num silêncio sentido, sem pensar nem no brinquedo que ele prometeu trazer. No fundo, queria mesmo é ganhar, bem agora, um abraço. E alguém que, com um carinho, viesse nos pegar no colo e nos levar pra casa.
(09.07.2008)
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