Já posso ouvir o som dos tamborins e pandeiros. Bundas se proliferam na televisão. E ele, esse evento tão esperado, dá de novo o ar da graça na terra brasilis. Vocês sabem de que eu estou falando.
Pois bem. Esse será um Carnaval atípico para mim. Pelo menos nos últimos 3 ou 4 anos, gloriosamente, eu havia conseguido fugir, de um jeito ou de outro, do Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial pela TV - manobra que constitui espécie de ritual de alforria, um tipo de vingança aos anos de nerdismo em que eu não tinha nada de útil ou interessante para fazer no referido feriado, enquanto o resto do país (incluindo meus amigos adolescentes) se afogava em cerveja e outros quetais, além de beijos e amassos desconhecidos e desenfreados, é claro, nesses salões e avenidas da vida.
Sim, como boa adolescente revoltada com a vida Beverly Hills de meus colegas de escola, eu ficava em casa amaldiçoando os dias de folia e engolindo pedaços da narração futebolística das escolas de samba feita pela TV Globo, madrugadas adentro, enquanto rezava pra tudo aquilo acabar. Eu bem que tentei me integrar ao sistema naquela época, ir a alguns bailes e desfiles. Até me diverti algumas vezes, posso dizer. Mas, para alguém com inclinações sentimentais, o Carnaval pode ser festa cruel. Naqueles dias de folia, nem pensar em encontrar alguém por quem o coração batesse mais forte, por exemplo - todo e qualquer olhar estava fadado a evoluir pra uns amassos atrás do pilar do clube da cidade, ao som de pagodes e em meio ao cheiro de lança-perfume, até ser compulsoriamente esquecido, ou trocado por outro, bem antes da quarta-feira de cinzas. A adolescente que fui, com seus pendores Álvares-azevedianos, não via graça alguma naquela dança das línguas a que meus amigos se dedicavam com furor.
Mas o tempo passou, é claro - o que, vejam só, pode trazer uma série de vantagens. No caso do feriado momesco, por exemplo, a autonomia conquistada pela adultez trouxe também a liberdade de escolha do quê fazer, para onde ir e, principalmente, com quem ir e que tipo de música ouvir durante os fatídicos dias. Não que eu seja uma furiosa contra a cultura popular (o que, além de inverdade, seria, no meu caso, perfeito suicídio profissional), mas sou, antes de tudo, uma amante do livre-arbítrio. Acho maravilhosas as festas populares - as *verdadeiramente* populares, é bom que se diga, e não essa enganação de abadás e trios elétricos que segregam o povão por cínicas cordas, nas mesmas ruas que essas pessoas ajudaram a construir e que são suas para o trabalho e para a vida no resto dos dias do ano. Acho lindas as músicas, a movimentação, o ânimo popular de quem dá vida e história a essa festa tão nossa. Aprendi a apreciar o verdadeiro significado cultural do evento, que em cada canto do país se mostra de um jeito, reflete nossa história e alegria, e que pode ser tão distante das músicas e imagens pasteurizadas que vemos sempre pela TV. Mas, acima de tudo, descobri também a liberdade de escolha pessoal de se retirar, ir para algum lugar no meio do mar, da areia, do campo ou de pessoas queridas, e voltar pra casa na quarta-feira com as baterias recarregadas, cheia de paz na alma e ânimo pra fazer boas coisas no dia-a-dia. E sem a obrigação adolescente (que alguns levam pela vida afora, ó miséria) da pegação obrigatória e declarada, tal qual linha de montagem.
Enfim, tudo isso para dizer que meus últimos carnavais, com ou sem beijo na boca, têm sido muito não-convencionais e absolutamente felizes. Para esse aqui, claro, também tinha planos. Planos de fugir do mundo pra um lugar que me trouxesse imensidão da alma, que me fizesse pensar e sentir boas coisas para mim e para outros queridos. Porém, esses tempos de caos nos aeroportos e curta grana (por bons motivos, felizmente, mas ainda assim curta) me forçam novamente, depois de anos, a uma estadia momentânea no lar, doce lar. Por um momento, senti a angústia adolescente se avizinhando. Traumas? Sim. O que fazer para não transformar o feriado novamente num repeteco azedo do Show da Virada do Faustão?
Algumas hipóteses surgiram no horizonte. Amigos queridos, em momento financeiro-social semelhante, sugeriram um roteiro alternativo-cultural pela selva de pedra. Grande idéia, sem dúvida. Afinal, como típicos paulistanos, carregamos muitas vezes a frustração por conhecer tão pouco dos lugares da terra onde vivemos, em contraposição aos encantos de outras cidades por vezes mais longínquas. Por que não aproveitar a metrópole vazia para mergulhar um pouco mais em sua alma, conhecer aquilo que ela traz de mais típico e belo? Sim, boa pedida. Outras idéias também vieram. Para os dias da semana subsequentes à folia - que, ó Lei de Murphy, justamente nesse ano, terei livres - um pulo à casa de mamãe e papai para bater o ponto e para descansar, sentindo o cheiro bom de lar. O que mais? Escrever, pensar na vida, tentar quitar pendências de estudos atrasados, etc, etc...
No meio do trivial e do variado, porém, outro pensamento me acorre. Esse, carregado de lembrança afetiva e da expectativa, agora sempre perene, de novas paragens. E eis que, no domingo que antecede o feriadão sambista, entro na internet com parada certa. Acesso uma livraria online e faço a encomenda que pisca em minha mente, por motivos diversos, há alguns dias: Grande Sertão, Veredas. Não, eu nunca li Grande Sertão, Veredas, apesar de ter me encantado com a história de Miguilim (também na adolescência) e de já ter até mesmo andado, sacolejantemente, por alguns dos caminhos percorridos por Guimarães naquele mundão mineiro de meu Deus. Pois muito bem, está na hora do coração descobrir o que os olhos já viram com a poesia dos raios de sol e de borboletas amarelas. Já que não viajo fisicamente, vou proporcionar essa viagem à minha alma: dedicarei meus feriados a descobrir o Grande Sertão. Nos próximos dias, ele deve estar chegando para me fazer companhia. E, quem sabe, me inspirar em novas empreitadas - cheias de poesia, brilho nos olhos e expectativas várias.
Depois conto aqui o que achei e que presságios essa bela viagem, já prevejo, me ajudará a realizar. Por hora, deixo um pensamento do livro citado, que espero encontrar durante a leitura:
"O importante e bonito, no mundo, é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou."E, terminando de expulsar os fantasmas da nerdice adolescente, lembro ainda uma frase muito reverenciada pela galera que entende do assunto (se alguém souber o autor, por favor me diga, já que infelizmente não lembro agora): Rock'n Roll saves lives. E um bom livro também. ;)
(12.02.2007)
Nenhum comentário:
Postar um comentário