terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Ressaca Piegas

Abro os olhos. O olhar ainda pesa sob os desvarios da noite passada. Noite passada? Mas parecem semanas, meses, anos. Aquela noite em que te vi, olhei nos seus olhos de água e mel, e o mundo pareceu se abrir todo para mim. Depois disso, admirada, me perdi no seu abraço. Não, não; antes conversamos a noite toda, entregues à sensação feliz de novidade. O salão era tão grande e a música mal tinha começado, e você já me procurava enquanto meu amigo te pregava uma peça, dizendo que eu não estava ali, que tinha desistido. E eu, quando soube disso, pensei nos seus olhos de jabuticaba se arregalando em susto, sorri e me enterneci com aquela cena tão pura de um coração puro. Depois, pensei no seu ímpeto de menino enquanto o mundo girava para nós. O corredor que levava ao quarto, tão estranho pra mim naquela noite improvável. Os azulejos testemunhando minhas tentativas de me recompor para me descompor em seguida, "sem medos", eu dizia, mais para mim do que para você. No seu beijo lembrei de outros milhares, milhares de anos em que te esperei, lágrimas e sorrisos que nasceram sem e por ti. A noite era leve, inocente e lindamente vazia como uma balada fácil de FM. E eu abraçava suas costas enquanto reparava no cordão negro que pendia do seu pescoço, tão você, tão bonito e tão passageiro.

Um copo a mais de vinho nas mãos da amiga aflita, "será que ele gosta de mim?". Nós sempre tão cerebrais. A baladinha segue como num capítulo de minissérie teen, e eu penso na sua camisa azul, no seu olhar de mentiras, nas mentiras que eu própria criei tantas vezes para mim, nos enredos de novela que vivi ou inventei. "Quem serão os padrinhos?", até isso nos perguntamos, enquanto a carta do Louco já ria de mim do fundo da fenda que se abriria depois. A fenda que sempre se abriu, deixando respiros entrarem, deixando entrarem os ventos gélidos que precedem as novas brisas frescas.

Pisco os olhos na cama, envolta no mundo tão conhecido da manhã. Na cabeça, me vem um verso malandro, roubado do poetinha, filtrado pela minha mente que adora inventar imitações.

"Amores, melhor não tê-los;
Mas se não os temos,
como sabemos
que vivemos?"

(20.01.2009)

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