O menino, de bebê que um dia foi, rapidamente se tornou criança. E, como criança, um dia percebeu que sentia coisas.
De  vez em quando ele estava ocupado com algo e começava, de repente, a  pensar em outra coisa. E o pensamento ficava lá, em volta dele, não  deixando mais que ele se concentrasse no que estava fazendo primeiro. E  ele parava toda hora para pensar em como seria bom estar fazendo aquela  outra coisa.
Outras vezes, ficava esperando a aula acabar e pensando,  pensando na hora do almoço, e em vários cheiros e cores bons de se  comer, que pesavam no estômago mesmo sem existir ainda na frente dele.
Ou  às vezes ele estava estudando, ou brincando, ou cismando, e recebia na  cabeça uma foto da sua mãe, que estava longe naquela hora. Ou do quintal  da casa da vó, ou do som da risada dela, o do cheiro do bolo que ela  fazia. Ou via o sol na grama e pensava em correr naquela grama que não  estava ali.
E com o tempo, ele foi descobrindo que todas aquelas  coisas que ele sentia já tinham um nome do lado de fora. Vontade, fome,  saudade. E ele, tão pequeno no seu modo de criança, percebia que mesmo  não sabendo nada, já tinha experimentando um monte de coisas daquelas  que os adultos falavam.
Daí o menino cresceu e foi se esquecendo dos tantos sentimentos que cabem num nome único de se sentir.
Fome virou fome. Saudade virou saudade. Vontade virou vontade. E pronto.
E  as palavras foram tomando o lugar dos miúdos pedaços de pensamento que  volteavam o peito e as idéias do menino, que ele experimentava e que o  experimentavam muito antes de ele saber o nome.
Então um dia,  cansado de carregar tantas letras no bolso, ele resolveu colocar todas  numa folha de papel. Pra ver se aliviava um pouco o peso das idéias.
E  percebeu que as palavras, quando caíam no papel, parecia que nasciam de  novo. Cresciam, formavam família na folha em branco. E começavam a  voar, sozinhas, se mostrando de volta para a vista do homem que fora  menino.
E ele começou a escrever mais e mais. E a pensar melhor, e a  redescobrir a face oculta das palavras de todo dia. E as palavras  começaram a viajar pela mão do menino que era homem. A encontrar idéias  encolhidas nas cabeças de outras pessoas, que reconheciam as velhas  letras, riam e se emocionavam.
E o menino-homem andou muito, falou  muito e escreveu muito também. E todos perguntavam a ele onde ia buscar  aquelas poções milagrosas que colocava nas letras.
E apenas alguns  poucos percebiam que, na verdade, ele apenas enxergava aquilo que, na  aurora dos dias, todas as mentes falantes aprendem a encaixar,  pacificamente, no correr do calendário.
(05.08.2010)
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
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