quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Ser feliz ou ter razão?

A pergunta tão crucial me foi apresentada – e celebrizada – pela Paulinha, nos idos e bons tempos de Santíssimas ainda ativas. Já a ouvi também em outros lugares, por outras pessoas. E de novo, há cerca de dez dias, ela se apresentou para mim em visita a pessoas sábias e amigas.

A verdade é que, nos últimos tempos, essa pergunta não tem me abandonado. Desde uma grande sacudida no final do ano passado, e passando por todas as situações-limite que tem se apresentado a mim, uma após a outra, nos últimos doze meses. Vem tingida pelos ânimos do momento: às vezes filosófica, às vezes libertadora, às vezes dolorida. E de novo eu me vejo na impossibilidade de responder a essa simples pergunta, que resume em si algumas das grandes angústias da humanidade.

Difícil constatar que o que nos faz felizes e o que é “certo” podem, muitas vezes, estar em campos opostos. A escolha entre a consciência e a vontade louca de voar, o pasto de todo dia ou a liberdade de correr mundo. Optar entre se entregar a um sonho, assumir os riscos de uma aposta puramente emocional ou viver o cotidiano arrumadinho, previsível, com suas obrigações e suas plantas na janela.

Afinal, que perguntinha perniciosa, essa. “Ter razão” pode significar também uma razão cega, aquela que nos torna irredutíveis para a razão dos outros. Uma razão que, muitas vezes, nem é nossa, mas baseada na visão de outros sobre que devemos ou não fazer.

Mas pensando bem, isso é ter razão? E ser feliz, o que é? Afinal, ser feliz compreende também cultivar valores, ideais que nos são importantes, que muitas vezes são responsáveis pelo melhor de nós. Ter razão, para mim, significa principalmente ter razão diante do que a gente é – afinal, lá existe razão absoluta? –, diante do que pretendemos para a nossa vida, diante de nossa essência mais profunda. Aquela que nunca irá nos trair, que nos levará a caminhos autênticos, talvez não tão fáceis, mas certamente coerentes com o que precisa nossa alma, e com o que ela tem também a oferecer de melhor aos outros. Sim, porque não se pode ser verdadeiro com o outro apresentando a ele uma máscara. Essa deveria ser a verdadeira ética interpessoal.

Talvez a verdadeira razão, essa razão mais escondida, não seja incompatível com a possibilidade de ser feliz. Talvez seja, mesmo, imprescindível.

Vai ver, por isso é tão difícil ser feliz: depois de anos acreditando que se é uma planta na janela do apartamento, a gente se apavora com a possibilidade de ar fresco. Não sabe o que fazer diante de um horizonte aberto. Não consegue mais encontrar, dentro da gente, nossa verdadeira razão. O Sol, lá fora, continua sendo um só – mas nós, acostumados a dividi-lo em quadradinhos, não conseguimos mais enxergar o azul do céu que ele pinta.

Talvez a missão seja essa: juntar a felicidade à verdadeira razão, nesse labirinto que somos, moldado por tantas mãos ao longo da vida.

(03.10.2007)

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